A. Aerossóis & Clima

Trecho da entrevista Paulo Artaxo: Física a serviço do planeta, com Paulo Artaxo sobre os aerossóis e o clima.

Você é um especialista no estudo dos aerossóis. O que são essas partículas?

Aerossóis atmosféricos são partículas muito pequenas, sólidas ou líquidas, em suspensão na atmosfera, o que as torna invisíveis a olho nu. Em uma cidade como São Paulo, as pessoas respiram cerca de 30 mil dessas partículas por centímetro cúbico de ar. Os aerossóis, que fazem parte da poluição atmosférica, se depositam no pulmão e podem causar doenças cardiorrespiratórias e outros problemas de saúde. Na Amazônia, as partículas de aerossóis são muito importantes para o funcionamento básico do ecossistema. Uma nuvem não se forma só com vapor-d'água. Ela precisa do vapor e de uma partícula que seja higroscópica, isto é, que tenha afinidade com a água - o aerossol. O vapor se deposita sobre essa partícula e forma uma gotícula da nuvem. Essa nuvem evolui e eventualmente chove. Entender esses processos físico-químicos é um desafio importante da ciência do clima.

Esse processo de formação e desenvolvimento de nuvens também vale para as cidades?

Sim, é um mecanismo universal. Em São Paulo, os aerossóis vêm da chaminé de uma indústria, do cano de descarga dos automóveis, entre outras fontes. Nos motores a diesel de ônibus e caminhões, aquela fumaça preta é composta de partículas em concentrações muito altas. Os aerossóis têm duas propriedades importantes no clima. Primeiro, interceptam e refletem a radiação solar, afetando o balanço de radiação, alterando a quantidade de luz do Sol que chega ao solo. Segundo, são absolutamente fundamentais para a formação das nuvens. Sem nuvens, não há chuva. Sem chuva, não há agricultura. Na verdade, os aerossóis são a chave dos efeitos climáticos do homem ao lado dos gases de efeito estufa. O curioso é que, na Amazônia, a vida biológica da floresta controla a concentração dessas partículas na atmosfera e determina o clima da região. Essa foi uma das descobertas de nosso trabalho.

Como assim?

Na Amazônia, percebemos que as plantas eram as principais responsáveis pelo fornecimento dos aerossóis que controlam a formação das nuvens e o balanço de radiação sobre a floresta. Elas emitem compostos orgânicos voláteis, como os gases terpenos e isopreno, que se convertem em partículas de aerossóis. Também fragmentos de folhas, grãos de pólen, bactérias, fungos, além das cinzas das queimadas, estão na constituição dessas partículas. Ou seja, a própria vegetação controla o clima sobre a floresta. Regula as chuvas e o balanço de radiação por meio da emissão de aerossóis. A floresta também processa o vapor-d'água, que é o segundo ingrediente importante das nuvens. Entender esses processos biológicos, físicos e químicos é fascinante.

Você trabalha com aerossóis desde o doutorado?

Sim, com o efeito dos aerossóis no clima, e em particular na Amazônia. Na década de 1980, isso era uma novidade total. Tive a sorte de ter como colaborador no meu doutorado o professor Paul Crutzen, prêmio Nobel de Química [em 1995]. Participei do primeiro grande experimento que houve na Amazônia em 1979 chamado Brushfire, coordenado pelo professor Crutzen, que investigava o efeito das queimadas no clima da região. Ele tinha uma ideia, ainda não bem estabelecida naquela época, de que as emissões na Amazônia poderiam afetar o clima global. A questão realmente me fascinou e me estimulou a tentar entender como funciona a integração de processos biológicos, físicos e químicos que controlam o funcionamento da Amazônia como um todo. Conforme resultados inovadores foram sendo produzidos, novas questões importantes apareciam.

Por que se interessou em estudar especificamente os aerossóis?

Na década de 1970, pesquisas em poluição eram quase exclusivamente na componente gasosa, como a fotoquímica do ozônio e seus efeitos nas plantas e na saúde das pessoas. Na comunidade científica, ninguém falava de aerossóis atmosféricos. Mas percebi que havia uma ciência muito importante por trás dessas partículas e me dediquei a desvendar esse papel.