8. Análise - Quais Caminhos Seguir?

8.1. Química Ambiental e a Química Analítica

Um dos desafios da Química Ambiental é a determinação, qualitativa e quantitativa, das espécies químicas nos diferentes compartimentos ambientais. Por isso a análise química é uma etapa fundamental em qualquer pesquisa em Química Ambiental. Níveis significativos de poluentes atmosféricos podem estar abaixo de um micrograma por metro cúbico de ar. Para muito poluentes da água a concentração de 1 miligrama por litro é um valor muito alto. Por isso as técnicas analíticas usadas para estudar alguns sistemas ambientais precisam ter limites de detecção muito baixos.

No entanto é importante não confundir Química Ambiental com Química Analítica.

A Química analítica é uma das muitas ferramentas utilizadas no estudo da química do meio ambiente. Alguns defendem a idéia que o controle ambiental consiste na aquisição intensiva de dados analíticos numa tentativa de monitorar todos os poluentes em todos os ambientes. É claro que isso iria criar muito empregos para profissionais de análises químicas e aumentar os lucros dos fabricantes de equipamentos. Mas para que os profissionais da área de Química possam dar uma contribuição efetiva para os problemas ambientais, é necessário ter como objetivo conhecer as espécies químicas, suas reações e transporte no meio ambiente.

A Química analítica é fundamental neste trabalho, mas não é tudo!

8.2. Química Analítica

Vamos agora identificar no nosso Ciclo de Uso/Reuso da Água, as etapas de Análise.

Figura 12. As etapas de Análise no Ciclo de Uso/Reuso da Água

As etapas de Análise no Ciclo de Uso/Reuso da Água


A caracterização, Química e Físico-Química, é peça fundamental no diagnóstico da qualidade da água definindo possíveis usos imediatos ou indicando a necessidade de tratamento. Por isso incluímos no nosso diagrama a Química Analítica.

Figura 13. Integração da Química Analítica

Integração da Química Analítica


Atenção

Lembrar que o conceito de qualidade da água está vinculado ao uso que se pretende fazer e portanto a caracterização deve incluir não apenas análises Químicas e Físico-Químicas mas também Microbiológicas.

A confiabilidade e a representatividade de qualquer programa de amostragem para avaliação da qualidade das águas dependem fundamentalmente da seleção criteriosa dos locais e da utilização correta das técnicas de amostragem e, quando necessário, preservação (estocagem) de amostras. CETESB, 1987

No entanto o procedimento tradicional de amostragem manual e remoção para análise no laboratório, com ou sem preservação, introduz incertezas no processo analítico tais como: representatividade, tempo de análise (dificultando a identificação das variações temporais do parâmetro de interesse), perda ou contaminação do analito [4] de interesse e modificação do ambiente da amostra.

8.3. Automação com Software Livre

Nesse sentido o uso da automação oferece inúmeras vantagens na etapa de amostragem, tais como: amostragem com ou sem pré-concentração automatizadas e determinação em campo com o uso de sensores in-line ou on-line em sistemas de análise em fluxo contínuo: (Flow Injection Analysis (FIA), Continuous Flow analysis (CFA) e Segmented Injection Analysis (SIA)).(Víctor Cerdà e col., 1999)

As técnicas de análise em fluxo podem ser usadas para a determinação de compostos de nitrogênio (amônio, uréia, nitrito, nitrato), fosfato, silicato, carbono orgânico (e inorgânico) dissolvido (Víctor Cerdà e col., 2003), oxigênio dissolvido, demanda química e bioquímica de oxigênio, condutividade, pH, alcalinidade, sulfato, sulfito, sulfeto, fluoreto, cloreto, cloro, bromo, iodo, cianeto (Víctor Cerdà e col., 2004(a)) e íons metálicos (Al, Mo, Co, Fe, Mn, Hg, Cr, Ni, Pb, Cu, Cd, Zn)(Víctor Cerdà e col., 2004(b)), dentre outros.

A automação do procedimento analítico viabiliza a associação de técnicas de separação (Ex: cromatografia líquida ou gasosa) com técnicas de detecção (Ex: espectrofotometria, espectrometria de massa) facilitando a análise de amostras complexas com o uso de técnicas com alta sensibilidade mas baixa seletividade. Jaques Buffle e George Horvai, 2000

Atualmente automação de métodos analíticos (principalmente métodos de análise em fluxo) ou experimentos em bancada não implica necessariamente em grandes investimentos em equipamentos e desenvolvimento de programas complexos.

Grande parte dos equipamentos (bombas peristálticas, válvulas de injeção, válvulas multiportas, espectrofotômetros, potenciômetros, balanças, dentre outros) necessários para automação já saem de fábrica com recursos para comunicação serial através de comandos em código ASCII e portanto em condições de serem controlados por um PC através das portas seriais disponíveis em qualquer PC.

Quanto ao software de controle, estes podem ser desenvolvidos sem a necessidade de profundos conhecimentos de programação usando linguagens freeware de fácil aprendizagem como o Tcl/Tk (J. Ousterhout, 1994 e M. Harrison, 1998)

A linguagem de programação Tcl/Tk foi desenvolvida dentro da filosofia de código aberto, da qual o sistema operacional Linux faz parte, com farta documentação e exemplos de código disponíveis para download na Internet.

Para conhecer um pouco mais essas ferramentas existem vários locais na Internet: o site oficial de Tcl/Tk, os cursos de Tcl/Tk do professor Souza Monteiro e do professor Rildo Pragana.

Também organizamos algumas informações sobre a Tcl/Tk e exemplos de uso em automação no www.c2o.pro.br/automacao.

Para encontrar documentação sobre Linux existe o site em inglês LDP e a nossa página sobre automacao em www.c2o.pro.br/automacao.

Agora podemos entender a contribuição da automação de métodos analíticos com Software Livre para os desafios no uso e tratamento da recursos hídricos.

Consciente da importância estratégica desse assunto, a FAPESP lançou, já em 2001, o programa de Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia) dentro do qual foi previsto a criação de uma Incubadora Virtual de Conteúdos Digitais, projeto que vai desenvolver metodologias cooperativas em ambiente de software livre e código aberto.

Vale também ressaltar as medidas que o Governo Federal tem tomado para a adoção de (Software Livre) no setor público.

8.4. Quimiometria.

A aquisição eletrônica de dados passa a disponibilizar, em pouco tempo, um grande volume de dados criando outro desafio, o tratamento adequado dos dados para a obtenção de informações úteis. Para a manipulação eficiente de grande volume de dados é necessário o uso da Quimiometria, que pode ser definida como: uma disciplina química que emprega métodos matemáticos e estatísticos para planejar ou selecionar experimentos de forma otimizada e para fornecer o máximo de informação química com a análise dos dados obtidos(Márcia M. C. Ferreira e col., 1999).

Figura 14. Quimiometria

Quimiometria


A Quimiometria não trata apenas dos dados gerados, mas permite também planejar os experimentos e maximizar a obtenção de informações sobre o sistema em estudo minimizando o número de experimentos.

Primeiramente é possível selecionar as variáveis mais significativas para o sistema com o uso de Planejamentos Fatoriais Fracionários, em seguida avaliar a influência das variáveis com o uso de Planejamentos Fatoriais Completos e construir Modelos Empíricos (na região experimental investigada) para o sistema com a Modelagem por Mínimos Quadrados e finalmente otimizar o sistema em estudo com a Modelagem por Mínimos Quadrados, Metodologia de Superfícies de Resposta ou com o método Simplex.(Roy Edward Bruns, 2001)

O acompanhamento automatizado da qualidade da água, seja para o estudo da eficiência de um sistema biológico de tratamento ou a qualidade de um rio ou um lago é feito pelo monitoramento de vários parâmetros: toxicidade, cor, turbidez, condutividade, temperatura, ORP, DBO, DQO, COT, OD, pH, amônia, nitrato, fosfato etc. Gerando em pouco tempo um enorme volume de dados dos quais é muito difícil identificar correlações sem o uso de técnicas quimiométricas tais como a Análise de Cluster e a Análise de Componentes Principais(D. Brodnjak-Voncina, 2002).

Um grande desafio na automação analítica, é a integração da aquisição de dados com tratamento simultâneo de dados e tomada de decisões automáticas para medidas corretivas, com o uso de sistemas especialistas, uma das aplicações da Inteligência Artificial(M. de la Guardia, 1999)

Isso permite um melhor aproveitamento dos dados gerados com otimização de recursos.

A integração da quimiometria com a automação analítica abre a perspectiva de sistemas que se ajustam automaticamente para otimizar as condições analíticas, um exemplo desta idéia é o trabalho do grupo do Prof. Boaventura F. Reis (M.F. Giné, 1998) no qual um sistema de análise em fluxo ajusta as condições de análise automaticamente com o uso da técnica de otimização Simplex

8.5. Lab-On-a-Chip

A determinação de parâmetros químicos ou biológicos com rapidez e confiabilidade é fundamental não apenas no diagnóstico ambiental como também para o diagnóstico médico, controle de processos industriais químicos ou biotecnológicos dentre outras áreas.

Na maioria dos casos, o analito que se busca quantificar está presente em pequenas quantidades dentro de uma matriz complexa com inúmeros interferentes no processo analítico.

Existem basicamente duas estratégias que podem ser adotadas:

  • Um sensor químico ou biológico, com o mesmo conceito dos tradicionais eletrodos de pH. Um sensor permite uma resposta quase imediata e in line, entretanto para que possa atender a esses objetivos precisa apresentar: alta seletividade, alta sensibilidade, estabilidade nas condições de uso.

  • Um Sistema de Análise Total (Total Analysis System - TAS) que transforma periodicamente informação química em informação eletrônica que pode ser então armazenada e/ou processada. Nestes sistemas as etapas de amostragem, transporte da amostra, pré-tratamento, separação e detecção são realizadas automaticamente. Originalmente o conceito de TAS fazia uso da instrumentação convencional de laboratório (bombas, válvulas, detectores etc).

Com a miniaturização de um TAS e a integração das múltiplas etapas (injeção, reação, separação e detecção) em um único dispositivo é possível obter um sistema semelhante a um sensor com resposta quase imediata, baixo consumo de amostra, operação on-line e alta estabilidade. Este conceito denomina-se μTAS (Miniaturized Total Chemical-Analysis Systems) os quais podem ser produzidos com o uso das tecnologias desenvolvidas para a microeletrônica.(Andreas Manz e Jan C. T. Eijkel, 2001)

Figura 15. Conceito de Lab-on-a-Chip.(www.science.org.au).

Conceito de Lab-on-a-Chip.(www.science.org.au).


Os μTAS podem ser produzidos pela técnica de fotolitografia aplicada a substratos de silício, vidro ou plástico construindo redes de canais em duas dimensões para o transporte de amostra e reagentes, mistura, separação e detecção. Todo o dispositivo é encapsulado em um único chip.(Fontes: QMCWEB, Wikipedia e http://fluidicmems.com/)

Figura 16. Exemplo de um μTAS.(www.qmc.ufsc.br).

Exemplo de um μTAS.(www.qmc.ufsc.br).


As principais vantagens do Lab-on-a-Chip são: facilidade de uso, velocidade de análise, baixo consumo de amostras e reagentes, além da alta reprodutividade em virtude da padronização e automatização.(Agilent)

Já é uma área de pesquisa bem estabelecida para a qual já existem periódicos especializados.

Figura 17. Periódico "Lab On a Chip - Miniaturisation for Chemistry, Biology &Bioengineering" publicado pela Royal Society of Chemistry (www.rsc.org)

Periódico "Lab On a Chip - Miniaturisation for Chemistry, Biology &Bioengineering" publicado pela Royal Society of Chemistry (www.rsc.org)


8.6. Química Analítica de Processos (PAC - Process Analytical Chemistry)

A PAC pode ser considerada como um ramo da Tecnologia Analítica de Processos ("Process Analytical Technology" ­ PAT).

A PAT é uma área mais ampla que envolve: determinações químicas, físicas (análises reológicas, de superfícies, etc), instrumentação, amostragem, transporte de amostra, comunicação com controladores, administração de projetos, quimiometria e engenharia de fluxo.

Existe uma grande diferença entre a PAC e a Química Analítica Tradicional. Nas análises tradicionais a precisão é usualmente priorizada, seguida de custo e tempo de medição.

Já em processos industriais, o tempo é em geral, o parâmetro de maior importância, estando logo a seguir custo e a precisão.

A Química Analítica de Processos trata da automação das operações de amostragem, tratamento de amostra, medida e coleta de dados.

Objetivo das análises em processos:

  • eliminar ou reduzir as causas de variabilidade na linha de produção,

  • aumentar a qualidade, produtividade e competitividade do produto.

O CPAC, Universidade de Washington ­ Seattle, é um centro de referência em PAC tendo desenvolvido aplicações clássicas na área, como a medida de octanagem em gasolinas utilizando espectroscopia no infravermelho próximo.

O artigo publicado pelos Profs. Marcello G. Trevisan e Ronei J. Poppi, 2006 é uma boa fonte de consulta para entender melhor este assunto.

8.7. Integração de: Automação com Software Livre, Quimiometria, Lab-On-a-Chip e PAC.

Portanto se queremos dar um salto quantitativo e qualitativo e ao mesmo tempo reduzir os custos do monitoramento ambiental e das tecnologias de tratamento de águas e efluentes, precisamos incorporar modernas tecnologias de apoio analítico, monitoramento e controle de processo tais como: Quimiometria, PAC e Automação com Software Livre.

Figura 18. Integração da Automação com Software Livre, Quimiometria, Lab-On-a-Chip e PAC

Integração da Automação com Software Livre, Quimiometria, Lab-On-a-Chip e PAC




[4] Analito - Componente ou constituinte de interesse contido em uma amostra.