10. Água - Por Que &Para Que Tratar?

Observando o Ciclo de Uso/Reuso da Água observamos as 3 principais etapas de tratamento: captação, reusos e descarte, cada qual com seus requisitos de qualidade.

Figura 38. As etapas de Tratamento no ciclo de Uso/Reuso da água.

As etapas de Tratamento no ciclo de Uso/Reuso da água.


As diferentes tecnologias de tratamento visam enquadrar a água aos diferentes padrões de qualidade aplicáveis aos respectivos usos.

Esses padrões podem definir limites para propriedades físicas, físico-químicas, químicas e biológicas.

Uma pergunta que pode surgir nesse contexto é: Qual o melhor tratamento?

Não existe uma resposta única para essa pergunta porque os requisitos de qualidade da água dependem do uso ou do destino final.

Portanto: O melhor tratamento é aquele capaz de atender o requisito de qualidade para o uso a que se destina.

É melhor prevenir do que remediar, por isso vamos priorizar o Tratamento de Efluentes.

10.1. Efluentes - Por que tratar?

O lançamento de efluentes nos cursos receptores está regido pela resolução CONAMA No. 430 de 2011 (que alterou e complementou a resolução No. 357 de 2005), cujo objetivo é manter os padrões [6] de qualidade dos corpos hídricos dentros dos limites da classe na qual foi enquadrado.

O enquadramento de um corpo hídrico é feito com base em três princípios:

  1. O que temos - Qual o estado de qualidade atual de um corpo hídrico.

  2. O que queremos - Qual o padrao de qualidade que se pretende alcançar no futuro.

  3. O que podemos - Quais as possibilidades para se atingir o padrão pretendido.

Atenção

Um grande desafio nessa abordagem é o estabelecimento o(s) limite(s) de qualidade que podem ser alcançados.

Aqueles que são vítimas da ambição ilimitada pelos ganhos financeiros imediatos criam grandes obstáculos para se estabelecer limites ambiciosos de qualidade para os corpos hídricos, alegando a existência de obstáculos tecnológicos e comerciais para se elevar os padrões de qualidade dos nossos recursos hídricos.

E para isso utilizam um discurso hipócrita que classificam de visão realista.

E com essa atitude acabam legalizando a escandalosa situação de muitos rios urbanos (de classe 4) que são mantidos como canais abertos de esgoto doméstico e industrial.

Para conhecer os princípios do enquadramento veja www2.ana.gov.br/Paginas/servicos/planejamento/PlanejamentoRH_enquadramento.aspx.

Essa resolução estabelece concentrações máximas de poluentes nos lançamento e considera mais de trinta parâmetros químicos, físico-químicos, microbiológicos, toxicológicos e ecotoxicológicos.

Cada estado tem sua própria legislação ambiental que pode ser mais restritiva que a legislação federal.

O avanço do conhecimento relativo à ação dos poluentes no meio ambiente tem criado novas exigências. Assim, prevê-se o aumento da importância dos bio-ensaios, para identificação de poluentes com atividade mutagênica, carcinogênica e teratogênica.

Portanto a legislação que estabelece limites de concentração para diferentes parâmetros, está fundamentada em princípios de Toxicologia.

Além das questões de toxicidade, a legislação também estabelece limites para as alterações das características dos corpos hídricos que possam causar impactos ambientais significativos.

Por exemplo, o aumento da turbidez de um rio por material inerte em suspensão não significa um risco toxicológico mas pode alterar a taxa de penetração da luz solar reduzindo a taxa de fotossíntese e comprometendo toda a cadeia alimentar.

Por isso a importância da Toxicologia e Ecotoxicologia gerando informações para a Avaliação de Impactos e de Riscos Ambientais [7]:

Figura 39. Integração da Toxicologia e Ecotoxicologia na definição dos limites de qualidade dos efluentes.

Integração da Toxicologia e Ecotoxicologia na definição dos limites de qualidade dos efluentes.


A Toxicologia pode ser definida como o estudo das ações nocivas de produtos químicos, naturais ou sintéticos, sobre "mecanismos biológicos". Diferente da Epidemiologia, onde é determinada passivamente a história clínica de um grupo selecionado de indivíduos, procurando relações entre a diferença no índice de doenças (e outros efeitos) com diferenças nas substâncias presentes no ambiente às quais o grupo foi exposto, uma das atividades da Geologia Médica.

A Toxicidade é uma propriedade inerente a toda matéria, manifesta-se num ambiente biológico vivo produzindo uma alteração indesejável do mesmo e, quando é suficientemente intensa, é chamada de dano.

O dano é produzido em resposta a dose de alguma substância ou a um agente biológico específico. A dose é quantidade da substância experimentada num dado intervalo de tempo e algebricamente pode ser expressa de forma simplificada como:

C x t = K

Onde C é a concentração, t o tempo de exposição e K é algum sinal observável, usualmente morte.

O(s) efeito(s) tóxico(s) observado(s) com baixas concentrações por longos períodos de exposição é chamado de Toxicidade Crônica. Enquanto que o(s) efeito(s) tóxico(s) observado(s) em curto intervalo de tempo é chamado de Toxicidade Aguda.

A dose da substância administrada nos testes de toxicidade é normalmente expressa como massa do composto, usualmente em miligramas, por unidade de peso corporal do animal testado, habitualmente expressa em quilogramas.

A Toxicologia moderna é um campo multidisciplinar e depende do conhecimento e do desenvolvimento de uma série de ciências básicas, como a física, a química, a biologia e, em particular a bioquímica.

A toxicologia tem se desenvolvido em vários aspectos: Toxicologia Ambiental, Toxicologia Econômica, Toxicologia Forense e Ecotoxicologia. Para as questões de tratabilidade da água destaca-se a Toxicologia Ambiental e a Ecotoxicologia.

A Toxicologia Ambiental trata da exposição do tecido biológico e, mais especificamente, do homem a produtos químicos, basicamente poluentes de seu ambiente e de seus alimentos. É o estudo das causas, condições, efeitos e limites de segurança para tais exposições.

Enquanto a Ecotoxicologia é o estudo dos efeitos tóxicos de produtos químicos dentro de um ecossistema, um indivíduo, população ou comunidade.

Os dados toxicológicos de uma substância qualquer (pesticida organoclorado ou metal pesado), são obtidos mais facilmente determinando sua toxicidade aguda, que é o início de sintomas - incluindo a morte no limite extremo - num intervalo relativamente rápido (horas ou dias) que se seguem à absorção de uma dose da substância.

No caso de efluentes, é a concentração de efluente que causa efeito agudo (imobilidade ou letalidade) a 50% dos organismos teste, num determinado período de exposição,48-96 horas, (CL50)[8].

Algumas definições usadas na resolução CONAMA No. 430 de 2011 relativas a Ecotoxicidade:

  • Testes de ecotoxicidade: métodos utilizados para detectar e avaliar a capacidade de um agente tóxico provocar efeito nocivo, utilizando bioindicadores dos grandes grupos de uma cadeia ecológica;

  • Concentração de Efeito Não Observado-CENO: maior concentração do efluente que não causa efeito deletério estatisticamente significativo na sobrevivência e reprodução dos organismos, em um determinado tempo de exposição, nas condições de ensaio;

  • Concentração Letal Mediana-CL50 ou Concentração Efetiva Mediana-CE50: é a concentração do efluente que causa efeito agudo (letalidade ou imobilidade) a 50% dos organismos, em determinado período de exposição, nas condições de ensaio;

  • Fator de Toxicidade-FT: número adimensional que expressa a menor diluição do efluente que não causa efeito deletério agudo aos organismos, num determinado período de exposição, nas condições de ensaio;

Os bioindicadores mais usados são: algas, microcrustáceos, peixes, nematóides e plantas aquáticas.

Já a toxicidade crônica se manifesta quando os organismos são expostos a baixas concentrações do contaminante por maiores períodos de tempo (semanas, meses ou anos).

De modo geral, qualquer efeito, por exemplo, câncer ou defeitos congênitos decorrentes de exposições contínuas, de longa duração são classificados como efeitos crônicos.(Colin Baird, 2002)

Além das considerações sobre toxicidade crônica ou aguda, os efeitos observados nos testes ecotoxicológicos podem ser agrupados em efeitos letais e sub-letais.

Efeito letal, como o nome indica, se refere à mortalidade dos indivíduos expostos. Já os efeitos sub-letais não levam a morte mas afetam negativamente os organismos expostos à substância teste.

São exemplos de efeitos sub-letais a redução na reprodução, na taxa de crescimento e/ou fotossíntese, mudanças de comportamento, mobilidade, susceptibilidade a doenças, mudanças de temperatura ou outros fatores ambientais.

Para se ter uma idéia do impacto ambiental de alguma substância, procura-se avaliar sua toxicidade para diferentes organismos representativos dos diferentes níveis da cadeia alimentar.

Figura 40. Cadeia Alimentar ...

Cadeia Alimentar ...


Por isso sob o ponto de vista ambiental, os efeitos sub-letais podem ser tão importantes quanto os efeitos letais.

Por exemplo, se um dado contaminante diminui a taxa de fotossíntese, isto irá afetar a produção de vegetais comprometendo os organismos de toda a cadeia alimentar.

Do mesmo modo, se um dado contaminante compromete a reprodução de uma dada espécie, isso irá causar uma rápida queda na população em apenas algumas gerações.

Figura 41. Possíveis efeitos de Toxicidade Crônica!

Possíveis efeitos de Toxicidade Crônica!


Considerando-se ainda o fato de que alguns compostos intermediários do processo de biodegradação podem manter ou mesmo aumentar a toxicidade da mistura, e que a toxidez de um composto pode ser diferente quando presente em uma mistura, percebe-se a importância de se incluir em todo e qualquer estudo de tratabilidade, seja ele biológico ou químico, o acompanhamento da toxicidade ao longo do processo de degradação, para se monitorar a eficiência Ambiental (Toxicológica &Ecotoxicológica) de um sistema de tratamento e não apenas a eficiência química ou físico-química.TM Traczewska, 2000

Um assunto importante e relativamente ainda pouco conhecido é o efeito que algumas substâncias químicas, presentes no meio ambiente, exercem no sistema endócrino humano, os chamados Disruptores Endócrinos ou Desreguladores Endócrinos.

Desreguladores Endócrinos incluem um grupo de micropoluentes no meio ambiente que podem interferir com o sistema endócrino, afetando a saúde, crescimento e reprodução de animais e seres humanos. Estas substâncias podem ser encontradas nos esgotos e efluentes da estação de tratamento e em águas naturais pois não são completamente removidos pelos processos de tratamento convencionais. Existem numerosos produtos químicos classificados como Desreguladores Endócrinos, tais como pesticidas, produtos químicos utilizados e produzidos pelas indústrias químicas e estrogênios naturais e sintéticos. (D. M. Bila e M. Dezotti, 2007)

O artigo Disruptores endócrinos no meio ambiente: um problema de saúde pública e ocupacional traz mais algumas informações a repeito.

10.2. Monitoramento Contínuo em Tempo Real da Ecotoxicidade

A detecção da ecotoxicidade em tempo real permite a tomada de ações corretivas com maior rapidez evitando ou minimizando os eventuais impactos.

Uma das alternativas automatizadas para monitoramento contínuo da Toxicidade se baseia no monitoramento da variação do comportamento (mobilidade) de organismos teste detectada pelo tratamento digital de imagens.

Por exemplo o Toxímetro de peixes desenvolvido pela BBE utiliza uma filmadora que acompanha os movimentos de peixes em um compartimento dentro do qual circula o efluente que se deseja monitorar.

As imagens são digitalizadas e um software identifica as imagens dos peixes e acompanha o padrão de movimentação indicando mudanças estatísticas no padrão de movimentação indicando a presença de toxicidade no meio.

Figura 42. Exemplos de toxímetros produzidos pela empresa BBE para diferentes organismos (algas, microcrustáceos e peixes).

Exemplos de toxímetros produzidos pela empresa BBE para diferentes organismos (algas, microcrustáceos e peixes).



[6] Padrões são valores limites que devem ser atendidos num determinado corpo hídrico destinado a um uso específico.

[7] A Avaliação de Impactos e Riscos Ambientais depende da simulação de cenários, que por sua vêz são baseados em modelos teóricos. Mais tarde falaremos sobre modelos e simulações.

[8] O parâmetro CL50 pode ser usado pela legislação para estabelecer um limite de qualidade.