11. Condicionamento - Desinfecção Química com Cloro

Dentro das várias etapas do tratamento de água para abastecimento a desinfecção química com o uso do Cloro é uma etapa muito importante. Por isso organizamos algumas informações na seção seguinte para um melhor entendimento desse processo de Condicionamento Microbiológico

A palavra grega χλωρóς (khloros amarelo-esverdeado) deu o nome ao elemento químico 17, o Cloro. Sua descoberta é atribuída ao químico sueco Scheele, que obteve o gás cloro (Cl2), ou cloro elementar, em 1774 pela oxidação de ácido clorídrico por pirolusita (MnO2). Porém, seu caráter como elemento químico foi descoberto por Davy somente em 1810, atribuindo-lhe seu nome atual. Este elemento não é somente o 11º mais abundante na crosta terrestre, mas também um dos mais reativos na Tabela Periódica. (Fonte: Química Nova)

Atualmente, 97% do cloro gasoso é produzido, junto com soda cáustica, pela eletrólise de soluções aquosas de cloreto de sódio que, minerado como sal gema ou obtido pela evaporação da água do mar, é uma matéria prima praticamente inesgotável.

O processo industrial de produção de cloro por eletrólise pode ocorrer com o uso de três tecnologias: célula de diafragma, célula de mercúrio e célula de membrana.

O composto orgânico cloreto de vinila, precursor do PVC, é o 4o. produto orgânico mais produzido em quantidade no mundo. Dos produtos inorgânicos, o ácido clorídrico de alta pureza obtido pela reação de cloro com hidrogênio, um dos subprodutos da eletrólise da salmoura, é de longe o mais importante, principalmente para aplicações na indústria Química/Petroquímica e de Alimentos.(Fonte: Química Nova)

Figura 74. Segmentação do consumo da produção nacional de gás cloro em 2013. (Fonte: Química Nova)

Segmentação do consumo da produção nacional de gás cloro em 2013. (Fonte: Química Nova)

O cloro é muito utilizado nos processos de tratamento de águas para uso humano ou industrial, principalmente para a desinfecção, destruindo ou desativando microorganismos patogênicos.

A qualidade microbiológica da água é importante não apenas no consumo humano ou animal mas também no controle da corrosão microbiológica em sistemas de resfriamento industrial que utilizam água, na água utilizada em laboratórios, ou quando utilizada na indústria como fluido auxiliar no preparo de suspensões e soluções biodegradáveis.

11.1. Desinfecção

Nota

A desinfecção é o processo de destruição selectiva ou inativação de organismos patogênicos na água. Enquanto que esterilização é a destruição completa de todos os organismos presentes na água. A desinfecção é uma parte necessária do processo de tratamento de água, enquanto a esterilização não é.

Antes do tratamento das águas de abastecimento se tornar uma prática comum, muitas doenças transmitidas pela água podiam se espalhar rapidamente através de uma população afetando centenas ou milhares de pessoas. A tabela abaixo mostra algumas doenças mais comuns, transmitida pela água e os respectivos organismos patogênicos.

Tabela 5. Algumas doenças de veiculação hídrica e os organismos patogênicos. (Fonte: http://water.me.vccs.edu/courses/ENV110/lesson7.htm)

PatógenoDoença
Bacteria
Bacillus anthracisAntrax ou antraz ou carbúnculo
E.coliInfecções causadas por E. coli (Ex: gastroenterite, infecção urinária, pielonefrite)
Myobacterium tuberculosistuberculose
Salmonellasalmonelose, febre tifóide
Vibrio choleraecólera
Vírus
Vírus da hepatite Ahepatite A
Poliovíruspoliomielite
Protozoários
Cryptosporidiumcriptosporidíase
Giardia lambliagiardíase

Os agentes patogênicos podem ser removidos ou inativados por processos físicos (Ex: calor, filtração, radiação UV) ou químicos (Ex: cloro, dióxido de cloro, ozônio).

Atenção

Não é possível garantir que a água dos mananciais (rios, lagos, aquíferos subterrâneos) esteja isenta de microrganismos. Mas é possível preservar a qualidade biológica dessas águas evitando o lançamento de efluentes (industriais e urbanos), a percolação do chorume dos lixões e do necrochorume dos cemitérios, simplificando e reduzindo os custos dos processos de tratamento de água.

11.1.1. Monitoramento da Desinfecção

O monitoramento dos diferentes tipos de agentes patogênicos individualmente seria muito caro e ineficiente. Em vez disso são utilizados indicadores indiretos para monitorar a eficiência de desinfecção.

No Brasil a portaria no. 2.914/2011 do Ministério da Saúde, que estabelece os procedimentos de controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade, utiliza como indicadores de qualidade microbiológica: Coliformes totais, Escherichia coli, bactérias heterotróficas, vírus entérico, cistos de Giardia spp., oocistos de Cryptosporidium spp. e turbidez.

As bactérias coliformes são frequentemente encontrados nos intestinos dos animais de sangue quente, inclusive os seres humanos, mas também pode ser encontrado em plantas, solo, água ou ar. É relativamente simples o procedimento para identificar a presença de bactérias coliformes na água, e a sua presença indica que outras bactérias patogênicas podem também estar presentes. Se a desinfecção é capaz de remover todos os coliformes da água, então considera-se que os outros microorganismos patogênicos também foram removidos. (Fonte: http://water.me.vccs.edu/courses/ENV110/lesson7.htm)

O grupo dos Coliformes totais inclui gêneros que não são de origem exclusivamente fecal. Em laboratório, a confirmação da contaminação é feita através de meios de cultura diferenciais, incubados sob determinada temperatura.(Fonte: Avaliação de Sistemas Domésticos de Filtração)

Alguns organismos podem resistir às etapas de cloração e filtração do tratamento convencional de água tais como os protozoários Cryptosporidium spp. e Giardia spp., responsáveis por surtos de doenças diarréicas. Por isso a turbidez é utilizada como um indicador da eficiência de remoção de cistos e oocistos. Além disso a baixa turbidez também propicia maior eficiência da desinfecção na eliminação de bactérias e vírus. (Fonte: Oocistos de Cryptosporidium e cistos de Giardia: circulação no ambiente e riscos à saúde humana)

11.2. Cloração

A cloração é a aplicação de cloro na água e pode ser usada com diferentes propósitos: desinfecção, controle do gosto e odor da água, remoção de ferro e manganês ou para remover alguns gases como amônia (NH3) e sulfeto de hidrogênio (H2S).

A cloração se tornou um método de desinfecção de água há mais de 100 anos e até hoje é a forma mais utilizada de desinfecção no tratamento de água. No entanto, existem outras alternativas.

O cloro pode ser usado no início (pré-cloração) ou no final do tratamento (pós-cloração).

Na pré-cloração é adicionado cloro na água bruta e o cloro residual pode ajudar nas etapas seguintes do tratamento: melhorando a coagulação, controlando o crescimento de algas nos tanques de decantação, reduzindo odores, e controlando a formação de aglomerados nos filtros (mud balls).

Devido ao maior tempo de contato, a pré-cloração também pode ser usada para melhorar a desinfecção em águas muito contamindas.

A pós-cloração é a aplicação de cloro no final do tratamento e antes de entrar no sistema de distribuição. Nesta fase, a cloração é utilizado para matar agentes patogênicos e para manter uma concentração mínima de cloro residual no sistema de distribuição.

Conforme a portaria no. 2.914/2011 o responsável pelo sistema de abastecimento deve assegurar que a água fornecida contenha um teor mínimo de cloro residual livre de 0,5 mg/L. Mas é obrigatório que as concentrações de cloro residual livre em qualquer ponto do sistema de abastecimento seja de no mínimo 0,2 mg/L (ou 2 mg/L de cloro residual combinado), e no máximo de 2 mg/L.

No entanto o anexo VII dessa mesma portaria estabelece o Valor Máximo Permitido (VMP) de cloro residual livre em 5 mg/L.

O documento PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE A PORTARIA MS N° 2.914/2011 traz os seguintes esclarecimentos:

Nota

...Os valores diferentes (0,2, 2,0 e 5,0 mg/L) têm significados e importâncias distintas. O valor estabelecido no Artigo 34° (0,2 mg/L de cloro residual livre) se refere ao residual mínimo de cloro que deve estar presente na água no sistema de distribuição (reservatório e rede) para garantir a potabilidade da água durante a sua distribuição. O valor da Tabela do anexo VII (5,0 mg/L) trata do Valor Máximo Permitido (VMP) para essa substância, acima do qual ofereceria riscos à saúde da população. Se uma amostra de água apresenta uma concentração de cloro residual livre superior a 5,0 mg/L, ela não atende ao padrão de potabilidade....

A resolução Conama 357/2005 também estabelece valores máximos de cloro residual total (livre + combinado) em águas doces, salinas e salobras:

  • Águas doces - 0,01 mg/L (Art.14, TABELA I-CLASSE 1-ÁGUAS DOCES e Art.15, Aplicam-se às águas doces de classe 2 as condições e padrões da classe 1 previstos no artigo anterior...)

  • Águas salinas - 0,01 mg/L (Art.18, TABELA IV-CLASSE 1-ÁGUAS SALINAS) e 19 μg/L (Art.18, TABELA VI-CLASSE 2-ÁGUAS SALINAS)

  • Águas salobras - 0,01 mg/L (Art.21,TABELA VII-CLASSE 1-ÁGUAS SALOBRAS) e 19 μg/L (Art.21, TABELA IX-CLASSE 2-ÁGUAS SALOBRAS)

Os processos químicos envolvidos no uso do cloro são complexos e consistem basicamente em reações de oxiredução. E apesar dos benefícios de desinfecção existem algumas reações indesejáveis de formação de Subprodutos da Desinfecção (SPD).

11.3. Química do Cloro

O elemento químico cloro possui número atômico 17 e massa atômica 35,457. E consiste de uma mistura de dois isótopos naturais: Cl35 (75,4% de abundância) e Cl37 (24,6% de abundância). Ele está presente em íons e moléculas com estados de oxidação (número de oxidação) que variam de -1 até +7, conforme a tabela seguinte.

Tabela 6. Estados de oxidação de espécies inorgânicas de cloro (Fonte: Water Chemistry, 2011)

Estado de OxidaçãoNomeEspéciepKaComentários
-1CloretoCl-1 Único estado de oxidação estável em água
0CloroCl2 Se desproporciona para os estados +1 e -1
+1 Ácido hipocloroso/hipoclorito HOCl/OCl- 7,5 Ácido fraco; agente desinfetante e oxidante forte
+3 Ácido cloroso/clorito HOClO/CLO2- 2 Ácido muito instável; íons utilizado como agente de branqueamento
+4 Dióxido de cloro CLO2   Desinfetante; agente oxidante; espécie radicalar
+5 Ácido clórico/clorato HOClO2/ClO3- -1 Ácido forte e oxidante
+7 Ácido perclórico/perclorato HOClO3/ClO4- -7 Ácido muito forte; oxidante poderoso; explosivo na forma concentrada; altamente tóxico

O gás cloro é muito solúvel em água e se hidrolisa rapidamente formando cloreto (Cl-) e ácido hipocloroso (HClO), segundo a reação:

Cl2 + H2O ⇆ H+ + Cl- + HClO

Para ser mais exato essa é uma reação de desproporcionamento na qual o cloro elementar com estado de oxidação 0 é reduzido para -1 no cloreto e +1 no ácido hipocloroso, com a seguinte constante de equilíbrio:

Figura 75. Constante de equilíbrio da reação de hidrólise do cloro. (Fonte: www.atsdr.cdc.gov/toxprofiles/tp172-c4.pdf)

Constante de equilíbrio da reação de hidrólise do cloro. (Fonte: www.atsdr.cdc.gov/toxprofiles/tp172-c4.pdf)

Nota

Segundo alguns estudos a constante de equilíbrio varia de 4,84x10-4 a 3,9x10-4 a 25°C. (Fonte: The Hydrolysis of Chlorine and its Variation with Temperature)

O ácido hipocloroso é um ácido fraco que se dissocia segundo a reação:

HOCl ⇆ H+ + OCl-

Com a seguinte constante de dissociação:

Figura 76. Constante de equilíbrio da dissociação do ácido hipocloroso. (Fonte: www.atsdr.cdc.gov/toxprofiles/tp172-c4.pdf)

Constante de equilíbrio da dissociação do ácido hipocloroso. (Fonte: www.atsdr.cdc.gov/toxprofiles/tp172-c4.pdf)

Nota

Outros valores para a constante de dissociação: 2,7x10-8 (Manahan - Environmental Chemistry) e 4 x 10-8 (http://chemwiki.ucdavis.edu).

Com base nas equações de equilíbrio podemos identificar que as concentrações relativas dos diferentes espécies oxidantes (Cl2, HClO e OCl-) dependem do pH e da concentração de cloreto. A partir das equações de equilíbrio podemos deduzir as equações para fazer a especiação química do cloro (determinar as proporções relativas das diferentes espécies oxidantes de cloro em solução para diferentes valores de pH).

Nota

A soma das diferentes espécies oxidantes de cloro ([Cl2] + [HClO] + [OCl-]) é definida como Cloro Residual Livre(ClOX,T).

11.3.1. Hidrólise e Especiação do Cloro

As concentrações relativas das diferentes espécies de cloro residual livre são expressas pelas equações:

Figura 77. Definição das concentrações relativas das diferentes espécies de cloro. (Fonte: www.atsdr.cdc.gov/toxprofiles/tp172-c4.pdf)

Definição das concentrações relativas das diferentes espécies de cloro. (Fonte: www.atsdr.cdc.gov/toxprofiles/tp172-c4.pdf)

Usando as equações de hidrólise, dissociação e o balanço de massa: [ClOX,T] = [Cl2] + [HOCl] + [OCl-], podemos fazer as seguintes deduções:

Figura 78. Dedução da equação para o cálculo da concentração relativa de HOCl. (Fonte: Water Chemistry, 2011 e www.atsdr.cdc.gov/toxprofiles/tp172-c4.pdf)

Dedução da equação para o cálculo da concentração relativa de HOCl. (Fonte: Water Chemistry, 2011 e www.atsdr.cdc.gov/toxprofiles/tp172-c4.pdf)

Figura 79. Dedução da equação para o cálculo da concentração relativa de OCl-. (Fonte: Water Chemistry, 2011 e www.atsdr.cdc.gov/toxprofiles/tp172-c4.pdf)

Dedução da equação para o cálculo da concentração relativa de OCl-. (Fonte: Water Chemistry, 2011 e www.atsdr.cdc.gov/toxprofiles/tp172-c4.pdf)

Figura 80. Dedução da equação para o cálculo da concentração relativa de Cl2. (Fonte: Water Chemistry, 2011 e www.atsdr.cdc.gov/toxprofiles/tp172-c4.pdf)

Dedução da equação para o cálculo da concentração relativa de Cl2. (Fonte: Water Chemistry, 2011 e www.atsdr.cdc.gov/toxprofiles/tp172-c4.pdf)

Com essas equações podemos visualizar em um gráfico as concentrações relativas das diferentes espécies de cloro em um interavalo de pH de 2-10, fixando a concentração de cloreto em 250 mgCl-/L (7,05x10-3Molar) que é a concentração máxima segundo a portaria no. 2.914/2011.

Figura 81. Gráfico com a fração molar das diferentes espécies de Cl2 no intervalo de pH de 2-10 e concentração de cloreto de 250 mgCl-/L (7,05x10-3Molar). (Fonte: planilha)

Gráfico com a fração molar das diferentes espécies de Cl2 no intervalo de pH de 2-10 e concentração de cloreto de 250 mgCl-/L (7,05x10-3Molar). (Fonte: planilha)

Dica

Experimente modificar as concentrações de cloreto na planilha e verifique os efeitos.

Como se pode ver pelo gráfico a partir de pH 3 praticamente todo o cloro está hidrolizado e a concentração de ácido hipocloroso e íon hipoclorito vai variar significativamente no intervalo de pH 6-9. Com um pH acima de ~7,5 a concentração de hipoclorito é maior do que de ácido hipocloroso. E isto é particularmente importante para a desinfecção porque o ácido hipocloroso é a forma mais ativa na desinfecção, e o íon hipoclorito é um desinfetante muito menos eficiente.

Portanto a desinfecção é mais eficiente em valores de pH mais baixos (≤ 7,0 - maior concentração de ácido hipocloroso) do que em pH mais elevado ( > 7,0 - maior concentração de íon hipoclorito).

Nota

O anexo IV da portaria no. 2.914/2011 estabelece os tempos de contato mínimo (minutos) que devem ser praticados para a desinfecção por meio da cloração dependendo da concentração de cloro residual livre, da temperatura e do pH da água.

Para as piscinas costuma-se recomendar uma faixa de pH entre 7,2 e 7,8.

11.3.2. Compostos Clorados Disponíveis

Além da utilização do gás cloro para a cloração também é possível usar compostos clorados inorgânicos (hipoclorito de sódio e hipoclorito de cálcio) e orgânicos (dicloroisocianurato de sódio - DCIS). (Fonte: Jorge Macedo, 2009)

  • Hipoclorito de sódio (NaClO): produzido pela dissolução do gás cloro (Cl2) em solução diluída de hidróxido de sódio (NaOH). O produto comercial é uma solução líquida que contém de 10% a 13% de cloro ativo.

  • Hipoclorito de cálcio (Ca(ClO)2): produzido pela reação do gás cloro (Cl2) com hidróxido de cálcio (Ca(OH)2 - cal). É comercializado como um sólido com 65-70% de cloro ativo (Fonte: HTH).

  • Ácido tricloroisocianúrico (Cl3(NCO)3): pode ser produzido a partir da reação do gás cloro com uréia (www.enco.ch) e usado na forma de pó com teor de cloro ativo de ~90%. Usado também na forma do sal de sódio Dicloroisocianurato de sódio (NaCl2(NCO)3), comercializado na forma de tabletes com teor de cloro ativo de ~56% (dihidratado) ou ~60% (anidro)(Fonte: Jorge Macedo, 2009).

O hipoclorito de sódio também é comercializado na forma de Água Sanitária com teor de cloro ativo na faixa de 1,75 a 2,75% de cloro ativo (http://www.inmetro.gov.br/consumidor/produtos/agua_sanitaria2.asp).

Todos os compostos clorados atuam de forma similar, liberando o agente desinfetante ácido hipocloroso (HClO) na reação com água.

Mas alguns estudos têm mostrado que o derivado orgânico dicloroisocianurato de sódio apresenta vantagens em relação aos hipocloritos inorgânicos:

11.4. Demanda de Cloro

A demanda de cloro é basicamente a diferença entre a concentração de cloro e a concentração remanescente. É o resultado da reação do cloro com várias substâncias presentes na água tais como: compostos orgânicos naturais, amônia (NH3), sulfeto de hidrogênio (ácido sulfídrico - H2S), íons ferro e manganês, dentre outros.

Esse consumo inicial de cloro também pode ser o resultado do contato com depósitos ferrosos ou biomassa nas paredes de tubulações ou reservatórios, pela fotodecomposição induzida pela luz solar, no caso de cloro livre, ou pela decomposição gradual de cloraminas.

A demanda de cloro deve ser monitorada no tratamento de águas (água para abastecimento ou efluentes) para garantir que a quantidade de cloro seja suficiente para atender a demanda inicial e garantir uma concentração de cloro residual suficiente para a inativação de agentes patogênicos ou coliformes.

Atenção

O monitoramento da demanda de cloro também é importante para identificar e evitar situações de alta demanda as quais implicam em aumento de custos da cloração e aumento da formação dos produtos secundários da cloração, muitos dos quais são tóxicos (Ex: ácidos haloacéticos, bromatos, clorofenóis e trihalometanos).

Nos eventos de alta demanda de cloro deve-se buscar identificar e eliminar as causas.

O Standard Methods descreve o procedimento 2350 para a determinação de demanda/exigência de oxidantes para fins de desinfecção, e define que a demanda de oxidante é a dose necessária para se alcançar uma determinada concentração de oxidante residual após um determinado tempo de contato, pH e temperatura.

Nota

O Standard Methods descreve procedimentos específicos para a demanda de cloro (2350 B), dióxido de cloro (2350 C) e ozônio (2350 D).

O consumo do cloro em águas e efluentes envolve processos químicos complexos que podem ser agrupados em três mecanismos gerais:

  • oxidação - o cloro pode oxidar íons reduzidos de ferro (Fe+2), manganês (Mn+2) e sulfeto (S-2) e ser reduzido a cloreto (Cl-),

  • adição - pode se adicionar a olefinas e outros compostos orgânicos com duplas ligações e produzir compostos ogânicos clorados,

  • substituição - pode sofrer reações de substituição com fenóis produzindo clorofenóis ou com amônia produzindo as cloraminas (substâncias cloradas ativas).

O cloro também reage com compostos orgânicos naturais através da combinação destes mecanismos gerando produtos como os trihalometanos (Ex: clorofórmio).

A demanda de cloro em água depende das propriedades químicas e físicas da amostra bem como do método de análise. Por isso a determinação da demanda de cloro depende da temperatura, pH, tempo de contato, concentração inicial e método analítico utilizado.

Por exemplo uma análise de demanda típica é registrada da seguinte forma: A amostra com concentração inicial de 5,0mgCl2/L consumiu 3,9mgCl2/L após 24h com temperatura de 20°C e pH 7,1.

11.5. Cloro e os Compostos de Nitrogênio - Cloraminas

Fontes: Handbook of Chlorination, 2010, Water Chemistry, 2011 e Reactions of chlorine with inorganic and organic compounds during water treatment - Kinetics and mechanisms: A critical review.

O cloro reage com vários compostos orgânicos e inorgânicos em água (naturais e sintéticos), mas as suas reacções com substâncias nitrogenadas são particularmente importantes, especialmente com amônia e compostos orgânicos nitrogenados.

O cloro reage amônia para formar cloraminas, as quais oferecem algumas vantagens em sistemas de distribuição de água, mas as reações do cloro com compostos nitrogenados podem comprometer a capacidade desinfetante, a oxidação de compostos químicos e aumentar a demanda de cloro.

A espécie de nitrogênio mais abundante em águas naturais é o gás nitrogênio (N2) dissolvido que apresenta uma solubilidade de ~ 14mg/L (25°C) em água em equilíbrio com o ar ambiente à pressão de 1 atm. Mas o N2 é inerte e não reage com o cloro.

Em águas naturais e efluentes podem ser encontrados compostos inorgânicos e orgânicos de nitrogênio.

  • Nitrogênio inorgânico: amônia (NH3), nitrato (NO3-) e nitrito (NO2-)

  • Nitrogênio orgânico: aminoácidos, proteínas e aminas

Por exemplo a resolução Conama 357/2005 estabelece o limite de até 13,3mgN/L (para pH ≤ 7,5) de nitrogênio amoniacal total e 10,0mgN/L de nitrato em águas classe 3.

Nota

As concentrações de compostos de nitrogênio em água são normalmente expressas em miligramas de nitrogênio (N) por litro assim como os compostos oxidantes de cloro são expressos em mgCl2 por litro. (Ver Cloro Ativo)

Os compostos nitrogenados são convertidos em diferentes espécies químicas ao longo do Ciclo do Nitrogênio. Conforme a figura seguinte a nitrificação converte amônia em nitrito e em seguida em nitrato; a denitrificação converte nitrato em N2; a decomposição de compostos orgânicos de nitrogênio libera amônia; e a assimilação biológica de amônica e nitrato pelas plantas, algas e bactérias para a produção de aminoácidos, proteínas e outras formas de nitrogênio orgânico.

Figura 82. Ciclo do nitrogênio (Fonte: Handbook of Chlorination, 2010)

Ciclo do nitrogênio (Fonte: Handbook of Chlorination, 2010)

Essas transformações entre compostos de nitrogênio podem ocorrer nas estações de tratamento de água ou ao longo do sistema de distribuição se a concentração de cloro residual não for suficiente para inibir a atividade biológica. E por isso que o monitoramento de nitrito ou nitrato pode ser um indicativo da formação de biofilmes que podem também agravar processos corrosivos e alterações perceptíveis no sabor e odor da água.

11.5.1. Cloraminas

As cloraminas são formados pela reação do cloro com nitrogênio amoniacal naturalmente presente na água ou adicionado intencionalmente com a finalidade de produção de cloraminas. As reações do cloro com amônia em solução aquosa diluída podem envolver até 14 diferentes reações como mostra o diagrama seguinte.

Figura 83. Possíveis reações de cloro com amônia. Os produtos incluem N2, H2O, Cl-, H+, NO- e compostos não identificados, e I representa um composto intermediário não identificado. (Fonte: Handbook of Chlorination, 2010)

Possíveis reações de cloro com amônia. Os produtos incluem N2, H2O, Cl-, H+, NO- e compostos não identificados, e “I” representa um composto intermediário não identificado. (Fonte: Handbook of Chlorination, 2010)

Mas a formação das três espécies de cloramina pode ser descrita de forma simplificada pelas seguintes reações:

HOCl + NH3 ⇆ NH2Cl (monocloramina) + H2O

HOCl + NH2Cl ⇆ NHCl2 (dicloramina) + H2O

HOCl + NHCl2 ⇆ NCl3 (tricloramina) + H2O

As velocidades das reações de formação e as proporções entre as diversas cloraminas dependem fortemente do pH, das concentrações relativas de HOCl e NH3, do tempo de contato e da temperatura.

Alguns sistemas de tratamento produzem cloraminas de forma intencional (cloraminação) para gerar cloro residual combinado. Nesse caso o objetivo é formar preferencialmente a monocloroamina e evitar a formação de dicloroamina e tricloramina, as quais podem conferir à água um sabor e odor de cloro. A produção de tricloramina é particularmente problemático pois ela é muito volátil.

A formação da monocloramina (NH2Cl) é uma reação de segunda ordem que pode ser explicada pela reação de HOCl com NH3 ou pela reação de OCl- com NH4+. A maioria dos pesquisadores acreditam que essa é uma reação bimolecular na qual o ácido hipocloroso (HOCl) reage com a amônia (NH3) pela substituição de um átomo de hidrogênio (H+) por um átomo de cloro (Cl+) formando monocloramina e água.

O HOCl é um ácido fraco e NH3 é uma base fraca. O pKa (-log Ka) do HOCl a 25 °C é 7,54 e o NH3 tem um pKa de 9,25. Portanto a fração molar de HOCl é predominante em pH abaixo de 7,54 enquanto que a amônia não protonada (NH3) é predominante em pH acima de 9,25, e portanto não existe um valor de pH em que ambas as espécies (HOCl e NH3) sejam predominantes.

A velocidade de formação da monocloramina depende fortemente do pH, das concentrações relativas dos reagentes e da temperatura, e pode ser expressa em termos da concentração total dos reagentes pela fórmula:

velocidade = kT[Cl]T[N]T

A constante de velocidade (kT) diminui em condições ácidas e alcalinas e atinge um máximo em pH 8,40 conforme o gráfico seguinte.

Figura 84. Efeito do pH na velocidade de cloração da amônia. (Fonte: Water Chemistry, 2011)

Efeito do pH na velocidade de cloração da amônia. (Fonte: Water Chemistry, 2011)

Com base em medidas empíricas da constante de velocidade de formação de monocloramina (kT) e da influência da temperatura sobre kT foi possível calcular os tempos de reação para a conversão de 99% de cloro (Cl2) em monocloramina (NH2Cl) a 25 °C, como pode ser visto na tabela seguinte. Esses cálculos foram feitos ignorando reações competidoras e o efeito da força iônica.

Tabela 7. Tempos de reação para 99% de conversão de cloro livre para monocloramina a 25°C, assumindo uma concentração inicial de cloro livre de 0,2x10-3M (14,2mg/L) e nitrogênio amoniacal de 0,8x10-3M (11,2mgN/L).(Fonte: Handbook of Chlorination, 2010)

pHTempo de Reação (s)
4 321
5 32,2
6 3,31
7 0,42
8 0,13
8,4 0,12
9 0,15
10 0,63
11 5,44
12 53,6

Esses cálculos teóricos indicam que a reação de formação de monocloramina é muito rápida em valores de pH típicos no tratamento de água e efluentes. A velocidade diminui com a temperatura, por exemplo a 0°C e pH 7 o tempo passa de 0,42 s para 5,02s mas ainda assim é uma cinética relativamente rápida.

Os efeitos da força iônica foram ignorados nos cálculos desses tempos de reação mas considera-se que sejam desprezíveis nas condições usuais de tratamento de águas e efluentes.

A velocidade de formação de monocloramina também é muito influenciada pela razão Cl2:N. Por exemplo, os tempos de reação indicados na tabela anterior foram calculados considerando uma alta concentração de cloro (14,2mgCl2/L) reagindo com excesso de nitrogênio amoniacal (11,2mgN/L) (relação molar de 1:4 - Cl2:N), uma condição muito comum na desinfecção de efluentes (não nitrificados).

Mas as velocidades de formação de monocloraminas são bem menores nas condições de desinfecção de água para abastecimento urbano nas quais as concentrações de cloro são bem menores e as razões de Cl2:N são bem maiores. Por exemplo, com uma concentração inicial de cloro de 1mgCl2/L(1,41x10-5M) e nitrogênio em 0,2mgN/L(1,43x10-5M) (Cl2:N ≡ 5:1 em massa, mas 1:1 em mol) o tempo para 99% do cloro reagir em pH 8,4 e 25°C seria de 99s, considerando que a monocloramina é o único produto formado. Em pH 11 o tempo seria de 74 minutos e em pH 5 o tempo subiria para 438 minutos; mas em pH 5 seria esperada também a formação competitiva de dicloramina.

A monocloramina está em equilíbrio com ácido hipocloroso segundo a reação:

HOCl + NH3 ⇆ NH2Cl (monocloramina) + H2O

Com uma constante de equilíbrio estimada em 3,8x1010 essa reação se encontra predominantemente deslocada para os produtos, mas mantém, no entanto, um pequena concentração de HOCl em equilíbrio.

A estequiometria envolve a reação de 1 mol de HOCl com 1 mol de amônia, e isso significa uma relação em massa (Cl2:N) de 70,9/14 = 5,06 ≅ 5:1. No tratamento de água procura-se manter uma relação em massa de Cl2:N na faixa de 3:1 até 5:1 para evitar a formação de dicloramina e tricloramina que podem causar gosto e odor de cloro na água e ao mesmo tempo manter uma baixa concentração de amônia livre na água o que poderia favorecer o crescimento de bactérias nitrificantes.

A monocloramina pode ainda ser oxidada para formar dicloramina e tricloramina pelas seguintes reações:

HOCl + NH2Cl ⇆ NHCl2 (dicloramina) + H2O

HOCl + NHCl2 ⇆ NCl3 (tricloramina) + H2O

É difícil o estudo das reações que envolvem o consumo ou produção de dicloramina devido ao grande número de reações competitivas simultâneas conforme o diagrama.

A formação de NHCl2 a partir de NH2Cl e HOCl é muito mais lenta (por um fator de 10-4) do que a formação de NH2Cl a partir de NH3 e HOCl porque NH2Cl é uma base mais fraca do que NH3.

Mas as reações de produção de NH2Cl e NHCl2 apresentam diferentes sensibilidades para variações no pH. Por exemplo a reação de NH2Cl com HOCl é catalisada por ácido, ao contrário da reação de NH3 com HOCl. Por isso que a partir de misturas equimolares de cloro livre e amônia podem-se obter diferentes proporções de mono e dicloramina dependendo do pH, conforme a tabela seguinte:

Tabela 8. Efeito do pH nas proporções de monocloramina e dicloramina a partir de uma mistura equimolar de cloro e amônia a 25°C (Fonte: Water Chemistry, 2011)

pH%NH2Cl%NHCl2
5 13 87
6 57 43
7 88 12
8 97 3

Em pH próximo de 8 e Cl:N < 1 predomina a formação de NH2Cl mas em pH menor que 5,5 a formação de NHCl2 se torna competitiva.

A dicloramina e a tricloramina começam a ser formar logo após a formação de monocloramina, mas existem muitas reações concorrentes em andamento com diferentes velocidades e sujeitas à influência do pH, temperatura, concentrações iniciais e relativas dos reagentes. Portanto acompanhar a evolução das diversas possíveis espécies exige um sofisticado modelo computacional, mas na prática é utilizada uma avaliação qualitativa associada a uma estequiometria básica para projetar e operar os processos de desinfecção com cloro e cloraminas em águas contendo amônia.

A formação de dicloroamina depende muito do pH e da razão Cl2:N e em menor grau da temperatura.Em valores de pH na faixa de 7-8, a formação de dicloroamina ocorre em minutos ou horas enquanto que a monocloroamina se forma em alguns seguntos (dependendo das condições). Portanto com razões em massa Cl2:N menores do que 5:1 e pH 7-8 será formado muito mais monocloramina do que dicloramina, tanto pela cinética quanto pelo equilíbrio.

Com pH 7-8 e razão em massa Cl2:N maiores do que 5:1 a formação de dicloramina se torna significativa, mas nessas condições também aumenta a perda de nitrogênio pelo fenômeno conhecido por breakpoint (ponto de interrupção) descrito mais adiante.

A dicloramina pode ser formada pela reação de HOCl com NH3:

HOCl + NH3 ⇆ NH2Cl (monocloramina) + H2O

Ou pelo desproporcionamento da monocloramina, ou seja, a reação de duas moléculas de monocloramina para formar dicloramina e amônia:

NH2Cl + NH2Cl ⇆ NHCl2 + NH3

Esta reação pode ser vista como a cloração de uma molécula de monocloramina por uma segunda molécula de monocloramina. Mas como a monocloramina é um agente de cloração fraco (em relação ao HOCl) a velocidade da reação de desproporcionamento (k=5,6×10-2 M-1 s-1) é muito menor do que a reação entre NH2Cl e HOCl. Essa reação é catalisada por ácido e portanto a formação de dicloramina, e a autodecomposição de monocloramina, é favorecida em pH ácido. Essa reação pode também ser catalisada por íons inorgânicos como carbonato e fosfato. (Nicolas Cimetière, 2009)

Medidas experimentais obtiveram um valor de 4x106 (com força iônica zero) para a constante de equilíbrio da reação de desproporcionamento da monocloramina, mas com uma velocidade muito, lenta podendo demorar um dia ou mais para atingir o equilíbrio.(Handbook of Chlorination, 2010)

Cálculos teóricos considerando a constante de equilíbrio de 4x106 e desprezando a formação de NCl3 permitiram estimar o percentual de cloro combinado na forma de dicloramina para 3 diferentes razões em massa de Cl2:N conforme a figura seguinte.

Figura 85. Percentagem de cloro combinado na forma de dicloramina a 25°C em função do pH para três diferentes razões em massa de Cl2:N. Estimativas feitas considerando k=4x106, produção de NCl3 desprezível e em condição de equilíbrio. (Fonte: Handbook of Chlorination, 2010)

Percentagem de cloro combinado na forma de dicloramina a 25°C em função do pH para três diferentes razões em massa de Cl2:N. Estimativas feitas considerando k=4x106, produção de NCl3 desprezível e em condição de equilíbrio. (Fonte: Handbook of Chlorination, 2010)

Em termos práticos, se for necessário ou desejável reduzir a fracção de cloro residual combinado na forma de dicloroamina, deve-se aumentar o pH ou reduzir a razão Cl2:N.

A tricloramina (ou tricloreto de nitrogênio) pode ser formada pela reação:

HOCl + NHCl2 ⇆ NCl3 (tricloramina) + H2O

Em pH neutro essa reação é mais lenta do que as reações de formação de mono e dicloramina e a sua hidrólise é catalisada por base. Por isso a sua formação é favorecida em pH ácido (1-4), condição que favorece a formação de Cl2(aq) conforme o gráfico da especiação de Cl2, pois a dicloramina reage 104 mais rapidamente com Cl2(aq) do que com HOCl. Por isso que a produção intencional de tricloramina em laboratório é feita em meio fortemente ácido.

No entanto existem registros de formação de tricloramina até em pH 9 quando se usa altas razões de Cl2:N especialmente na presença de nitrogênio orgânico. (Handbook of Chlorination, 2010)

Teoricamente a formação de tricloramina necessita de uma razão molar de Cl2:N a partir de 3:1 (ou 15:1 em massa) mas em pH ≤ 5 ela pode ser formada até mesmo com razão molar de Cl2:N de 1:1. E podem ser removidas por aeração (air stripping, filtração com carvão ativo e descloração.

A tricloramina é altamente volátil e sua presença na água provoca um forte odor e sabor de cloro com efeito lacrimejante principalmente nas piscinas em ambiente fechado. Mas por ser instável à radiação solar é menos percebida em piscinas abertas durante o dia.

11.6. Cloração ao Breakpoint

Fontes:Relation of Ammonia-Nitrogen to Break-Point Chlorination, Chlorine-ammonia breakpoint reactions: kinetics and mechanism, Dynamics of breakpoint chlorination, Effectiveness of Periodic Breakpoint Chlorination on Distribution System Nitrification Control for Pinellas County Utilities e Handbook of Chlorination, 2010.

O uso de cloro na desinfecção de água potável cresceu rapidamente durante os anos 20 e 30 e passou a ser muito pesquisado pelos químicos, microbiologistas e pelos operadores das estações de tratamento.

Foi observado uma demanda inicial de cloro em águas naturais mas foi também observado que com dosagens crescentes de cloro a concentração de cloro residual aumentava até um patamar e começava a cair até um valor mínimo para novamente voltar a crescer.

Na época o método analítico disponível usava o reagente orto-toluidina e não era capaz de distinguir entre cloro livre e combinado.

Esse fenômeno passou a ser conhecido por Reação Breakpoint (ponto de parada) e mais tarde se descobriu que estava diretamente relacionado à concentração de amônia na água.

A curva de breakpoint é um gráfico que mostra a concentração de cloro residual em função da dose de cloro adicionado a uma água contendo amônia. A dosagem de cloro pode ser indicada em mg/L ou pela razão Cl2:N em massa ou molar.

O gráfico seguinte mostra uma curva de breakpoint típica com a concentração total de nitrogênio amoniacal, incluindo a fração convertida em cloraminas, ao longo das três fases do processo.

Figura 86. Curva de cloração ao breakpoint. ΣN é a soma de espécies de nitrogênio, incluindo NH3 e cloraminas. (Fonte: Handbook of Chlorination, 2010)

Curva de cloração ao breakpoint. ΣN é a soma de espécies de nitrogênio, incluindo NH3 e cloraminas. (Fonte: Handbook of Chlorination, 2010)

11.6.1. Zona 1

Na zona 1 o cloro reage com amônia para formar cloraminas. Em valores de pH neutro e com tempos de contato curtos forma-se principalmente monocloramina, mas em pH mais ácido e maior tempo de contato aumenta a formação de dicloramina, que pode até se tornar a espécie majoritária para pH ≤ 5.

Raramente se observa gosto e sabor de cloro nessa fase desde que a produção de dicloramina seja controlada. A formação de dicloramina e até tricloramina pode ocorrer pela ocorrência de altas concentrações de cloro em partes do sistema por dificuldades na homogeneização.

A zona 1 é usualmente a zona de trabalho preferencial para se manter cloro residual combinado em sistemas de distribuição de água (Cl2:N entre 3:1 e 5:1).

No final da zona 1 (Cl2:N ≅ 5:1) a concentração de cloro combinado atinge um valor máximo e que, em água pura e homogeneização eficiente, pode estar próxima da reta de cloro adicionado de modo que a concentração de cloro residual combinado seja igual à concentração de cloro adicionado. Mas na prática esse ponto se encontra em menor concentração devido à reação de uma parte do cloro com outras substâncias presentes na água (compostos orgânicos, H2S, íons metálicos).

11.6.2. Zona 2

Na zona 2 o cloro adicional (Cl2:N ≥ 5:1) reage com amônia e monocloramina induzindo a degradação das cloraminas através de uma série de reações que resultam na perde de cloro e nitrogênio e redução gradativa da concentração de cloro residual. Embora a dicloramina tenha o dobro do poder germicida da monocloramina, a presença de dicloramina confere à água um gosto e sabor desagradável, por isso que a zona 2 deve ser evitada para o tratamento de água potável.

Nessa região a amônia é oxidada a nitrogênio (N2) e o cloro é reduzido a cloreto através de uma série complexa de reações mas cuja estequiometria geral, nas condições típicas de tratamento de água e efluentes, pode ser resumida pela reação:

3Cl2 + 2NH3 → N2 + 6Cl- + 6H+

Com base nessa reação uma razão molar de Cl2:N = 3:2 (razão em massa de 7,6:1) levaria ao consumo de todo o cloro e amônia mas essa reação é uma simplificação que não mostra toda a complexidade da cinética e dos equilíbrios envolvidos.

Teoricamente a amônia seria totalmente consumida na região do breakpoint, principalmente em pH neutro, mas na prática se observa uma concentração residual mínima irredutível na faixa de alguns décimos de mgCl2/L. Mas a exata composição desse mínimo irredutível é desconhecida. Quando titulada parece ser uma mistura com predominância de dicloramina e traços de monocloramina e cloro, mas também pode estar presente cloraminas orgânicas, com baixo poder desinfetante.

Devido às incertezas quanto à composição e ao poder desinfetante, os órgãos reguladores estabelecem uma concentração mínima de 0,2mgCl2/L (Portaria no. 2.914/2011) para garantir poder desinfetante.

11.6.3. Zona 3

Na zona 3, após o breakpoint, a concentração de cloro residual livre aumenta na mesma proporção da dosagem aplicada. Essa transição de cloro residual combinado para cloro residual livre é muito importante para a eficiência de desinfecção pois o cloro livre é um desinfetante muito mais forte do que o cloro residual combinado, conforme o gráfico seguinte.

Figura 87. Comparação da eficiência germicida do ácido hipocloroso, íon hipoclorito e cloramina. (Fonte: Handbook of Chlorination, 2010)

Comparação da eficiência germicida do ácido hipocloroso, íon hipoclorito e cloramina. (Fonte: Handbook of Chlorination, 2010)

O gráfico anterior mostra a superior ação germicida do ácido hipocloroso em comparação com o íon hipoclorito e a monocloramina. A linha vertical tracejada mostra que para inativar 99% de bactérias E. Coli em 10 min (tempo de contato) seria necessário ~ 0,02 ppm de ácido hiplocloroso, mas para obter ação germicida equivalente seria preciso ~ 2ppm de íon hipoclorito, ou seja, 100X mais, e ~ 8ppm de monocloramina (concentrações expressas como cloro titulável).

O gráfico da curva de cloração ao breakpoint também mostra que o nitrogênio amoniacal pode reaparecer na zona 3 (como tricloramina).(Fonte: Griffin e Chamberlin, Effectiveness of Periodic Breakpoint Chlorination on Distribution System Nitrification Control for Pinellas County Utilities e EPA)

Figura 88. Curva de cloração ao breakpoint destacando o reaparecimento de nitrogênio na forma de NCl3 após o breakpoint. (Fonte: Handbook of Chlorination, 2010)

Curva de cloração ao breakpoint destacando o “reaparecimento” de nitrogênio na forma de NCl3 após o breakpoint. (Fonte: Handbook of Chlorination, 2010)

As razões em massa de Cl2:N acima de ~8:1 podem favorecer a formação de tricloramina, mesmo em pH alto (~9). Por isso, se for necessário manter concentrações elevadas de cloro residual livre deve-se aguardar um tempo suficiente para o equilíbrio das reações de breakpoint antes de novas adições de cloro.

É importante lembrar que o formato da curva de breakpoint depende do tempo de contato, da temperatura, das concentrações de cloro e de amônia, do pH e do teor de matéria orgânica. E que em valores de pH fora da faixa de 7 a 9, e em baixas temperaturas, a cinética das reações de breakpoint ficam mais lentas.

Figura 89. Curvas de cloração ao breakpoint em diferentes tempos de contato (1h, 8h e 24h). (Fonte: Handbook of Chlorination, 2010)

Curvas de cloração ao breakpoint em diferentes tempos de contato (1h, 8h e 24h). (Fonte: Handbook of Chlorination, 2010)

Outros compostos presentes na água (matéria orgânica, sulfeto, e formas reduzidas de ferro e manganês) podem reagir com o cloro e produzir uma fase lag na curva de breakpoint, ou seja, retardando o início do crescimento de cloro residual. Ou seja, o cloro adicionado para atender a demanda de cloro não contribui para o teor de cloro residual.

11.7. Um Exemplo de Cálculo de Cloraminação

Uma água subterrânea com uma concentração de nitrogênio amoniacal de 0,3mgN-NH3/L deve ser cloraminada. O objetivo do tratamento é manter uma concentração de cloro residual combinado de 3mgCl2/L e uma razão de Cl2:N em massa de 4:1 na água tratada. A água tem uma demanda de cloro combinado de 0,5mgCl2/L. Quais as dosagens de cloro e amônia são necessárias para tratar essa água?

Pense um pouco antes de ver a solução do problema.

11.8. Toxicidade

Apesar da importância da cloração para o controle da disseminação de doenças de veiculação hídrica existem algumas consequências negativas. Já na década de 70, alguns estudos mostraram que o cloro reage com substâncias orgânicas naturais presentes na água, como os ácidos húmicos, ácidos fúlvicos, clorofila etc., formando triclorometano (CHCl3), também conhecido como clorofórmio, substância pertencente à classe dos trihalometanos (THM's). Nessa época, já haviam pesquisas mostrando que esses compostos causam diversos males à saúde humana incluindo problemas no sistema reprodutivo, abortos espontâneos e maior propensão ao câncer. (Fonte: Trihalometanos em água potável e riscos de câncer)

Além disso os Subprodutos da Desinfecção (SPD) com Cloro apresentam efeitos tóxicos para a vida aquática. (Fonte: Avaliação ecotoxicológica de efluente de tratamento secundário de esgoto sanitário após desinfecção com ácido peracético, cloro, ozônio e radiaçao UV)

11.9. Alguns links